Apesar de pouquíssimos dias antes do Encontro, o nosso contador de histórias convidado Luís Carmelo nos ter dado a notícia de que, por imponderáveis profissionais e alheios à sua vontade, não poderia estar presente, a verdade é que não foi por acaso que os dois, imediatamente, nos lembrámos logo da contadora de histórias algarvia Patrícia Amaral, de nome artístico Tixa. Mais informações sobre o seu percurso pelo teatro, investigação e mundividência ligada à narração oral poderão ser lidas clicando nas imagens seguintes:
É impossível não agradecer a todos os que estiveram presentes, levaram amigos e que, sendo curiosos, saudavelmente inquietos e com um espírito de dádiva nos enriquecem e completam diariamente, tornando cada momento em grupo uma experiência de cultura tão mais humana, afectivamente saudável e inspiradora!
Um profundíssimo obrigada ainda àqueles que:
- se voluntariaram para afixar cartazes (Zé Paulo e Cristina Féria);
- confeccionaram doces e salgados (todos, mas sobretudo Paula Torres e Ana Paula);
- à Lúcia Mendonça, que recebeu o desafio de homenagear um dos seus grandes autores prontamente e fez, portanto, um trabalho de verdadeira arqueologia literária em torno da obra de Tolstoi (além de ter feito, ainda, muito de tudo o que atrás referi);
- ao Francisco Leal por ter treinado uma música em menos de 7 dias (a quem é que eu poderia pedir isto senão a este rapaz?);
- e ao casal Manuela e Luciano pela inesperada e literalmente deliciosa surpresa e oferta de um bolo em forma de livro (possível de folhear, imaginem….) à Rede Concelhia de Clubes de Leitura.
E a inestimável explicação de Lúcia Mendonça, leitora e autora da exposição “Tolstoi: sementes”, sobre a origem/situação vivida desencadeadora desta exposição, o seu fio condutor, além de outros segredos e revelações de quem também muito vive e ama…
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Lido por Ana Paula de Manoel de Barros
"Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com os sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastexcia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim: O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz. Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem (...). Acho-os como os impossíveis verossímeis de nosso mestre Artistóteles. Dou quatro exemplos: 1) É nos loucos que grassam luarais; 2) Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada tenho profundidades"
Lido e escrito por José Paulo
O LIVRO LÊ-SE
A LEITURA DO LIVRO
NÃO ESTÁ NO TWITTER
NEM NO YOU TUBE
NO MURAL PINTADO
OU FACE SEM BOOK
DE PAPEL D'IMPRENSA
A LEITURA DESTE
QUE SE AGLOMERA
GENTE QUE LÊ
LENDO-SE EM SI
LENDO OS OUTROS
POR ESCRITOS...
AQUELAS PALAVRAS
QUE GRAVADAS
EM FECHADO VOLUME
ABERTO E LIDO
ABRE NOVOS MUNDOS
NO NOSSO MUNDO
FEITO DE CARACTERES
QUE PODEM SER
OCEANOS, TERRAS
OUTROS QUE ESTÃO
OUTROS QUE FORAM
O CHEIRO DUMA FLOR
QUE SE EXALA
EM FOLHAS DE LETRAS
CAMPOS PERCORRIDOS
EM LINHAS ESCULPIDAS
ESSÊNCIAS DESCRITAS
SULCADAS POR APARO
QUAL ARADO
RASGA A MENTE
QUAL TINTA
SEMEIA O PENSAMENTO
IDEIAS SÃO PODADAS
OUTRAS NASCEM
O LIVRO
APENAS SE LÊ
A FOLHA
SOLTA OU NÃO
É LIVRE
QUANDO MARCADA
… NOS MARCA
DEIXANDO SINAIS
À NOSSA LIBERTAÇÃO
O LIVRO
APENAS SE LÊ
MAS QUEM LÊ
TEM MAIS
APENAS E SÓ
PORQUE LÊ
AFINAL
TÃO FÁCIL
PARA SE TER
UM POUCO MAIS
BASTA O LIVRO...
LER.
Lido também pelo José Paulo
É TÃO FÁCIL AQUECER UM CORAÇÃO.
Juan trabalhava numa fábrica de distribuição de carne. Um dia, quando terminou o seu horário de trabalho, foi a um dos frigoríficos para inspecionar algo, mas num momento de azar a porta fechou-se e ele ficou trancado lá dentro.
Ainda que tenha gritado e batido na porta com todas as suas forças, jamais poderiam ouvi-lo. A maioria dos trabalhadores já tinha ido embora, e no exterior da arca frigor...ífica era impossível ouvir o que estava acontecendo lá dentro.
Cinco horas mais tarde, quando Juan já se encontrava à beira da morte, alguém abriu a porta. Era o segurança da fábrica, que salvou a vida de Juan.
Juan perguntou ao segurança como foi possível ele passar e abrir a porta, se isso não fazia parte da sua rotina de trabalho, e ele explicou:
“Eu trabalho nesta fábrica há 35 anos, centenas de trabalhadores entram e saem a cada dia, mas você é um dos poucos que me cumprimenta pela manhã e se despede de mim à noite. Muitos me tratam como se eu fosse invisível. Hoje, como todos os dias, você me disse seu simples ‘olá’ na entrada, mas hoje curiosamente, não tinha ouvido o seu ‘até amanhã’. Espero o seu ‘olá’ e ‘até amanhã’ todos os dias. Para você eu sou alguém. Ao não ouvir a sua despedida, eu sabia que algo tinha acontecido… Procurei e encontrei!”
Fica esta reflexão: sejam humildes e amem o próximo. A vida é curta demais e temos um impacto que não conseguimos sequer imaginar sobre as pessoas com as quais cruzamos todos os dias.
A origem da história é desconhecida, mas o ensinamento deve aquecer a todos os corações.
Lidos por Sónia Pereira
Onde está
a poesia? Indaga-se
por toda parte. E a poesia
vai à esquina comprar jornal.
Cientistas esquartejam Puchkin e Baudelaire.
Exegetas desmontam a máquina da linguagem.
A poesia ri.
Baixa-se uma portaria: é proibido
misturar o poema com Ipanema.
O poeta depõe no inquérito:
Meu poema é puro, flor
Sem haste, juro!
Não tem passado nem futuro.
Não sabe a fel nem sabe a mel:
É de papel.
Não é como a açucena
Que efêmera
Passa.
E não está sujeito a traça
Pois tem a proteção do inseticida.
Creia,
O meu poema está infenso à vida.
Claro, a vida é suja, a vida é dura.
E sobretudo insegura:
.........“Suspeito de atividades subversivas foi detido ontem
.........o poeta Casimiro de Abreu.”
.........“A Fábrica de Fiação Camboa abriu falência e deixou
.........sem emprego uma centena de operários.”
...... ..“A adúltera Rosa Gonçalves, depondo na 3ª Vara de Família,
...... ...afirmou descaradamente: ‘Traí ele, sim. O amor acaba, seu juiz.’”
O anel que tu me deste
era vidro e se quebrou
o amor que tu me tinhas
era pouco e se acabou
Era pouco? era muito?
........Era uma fome azul e navalha
........uma vertigem de cabelos dentes
........cheiros que traspassam o metal
........e me impedem de viver ainda
Era pouco? Era louco,
........................................um mergulho
no fundo de tua seda aberta em flor embaixo
.............................................................onde eu morria
Branca e verde
branca e verde
branca branca branca branca
......................................E agora
recostada no divã da sala
..........depois de tudo
..........a poesia ri de mim
Ih, é preciso arrumar a casa
que André vai chegar
É preciso preparar o jantar
É preciso ir buscar o menino no colégio
lavar a roupa limpar a vidraça
............................................O amor
(era muito? era pouco?
era calmo? era louco?)
.............................................passa
A infância
passa
a ambulância
passa
..............Só não passa, Ingrácia,
..............A tua grácia!
E pensar que nunca mais a terei
real e efêmera (na penumbra da tarde)
como a primavera.
...............E pensar
que ela também vai se juntar
ao esqueleto das noites estreladas
..............e dos perfumes
..............que dentro de mim gravitam
..............feito pó
(e um dia, claro,
ao acender um cigarro
talvez se deflagre com o fogo do fósforo
seu sorriso
entre meus dedos. E só).
Poesia – deter a vida com palavras?
Não – libertá-la,
fazê-la voz e fogo em nossa voz. Po-
esia – falar
o dia
acendê-lo do pó
abri-lo
como carne em cada sílaba, de-
flagrá-lo
como bala em cada não
como arma em cada mão
E súbito da calçada sobe
e explode
junto ao meu rosto o pás-
saro? O pás
?
Como chamá-lo? Pombo? Bomba? Prombo? Como?
Ele
bicava o chão há pouco
era um pombo mas
súbito explode
em ajas brulhos zules bulha zalas
e foge!
como chamá-lo? Pombo? Não:
poesia
paixão
revolução
Lido também por Sónia Pereira
Durante gerações, acreditaram na vinda do Messias; depois deixaram de acreditar quando souberam que o Messias já tinha vindo.
Durante gerações rezaram para que chovesse; depois deixavam de rezar quando a chuva começava a cair.
Durante gerações pediram que o raio não lhes fulminasse as casas; depois, deixaram de pedir quando se inventou o pára-raios.
Durante gerações isto e aquilo, e isto ou aquilo acontecia ou não consoante era isto ou aquilo.
Só, durante gerações, a Branca de Neve continuou branca como a neve; a menina do Capuchinho Vermelho nunca pôs um capuchinho azul nem cor-de-rosa; e a Bela Adormecida não acordou para contar os sonhos que teve ou não teve.
Lido por Ana Maia de Florbela Espanca
Eu ...
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Dito por Jacqueline Vangoid
(Infelizmente a fotografia da nossa Jacqueline ficou tão escura que não está apresentável. Mil desculpas, minha querida…)
Tive o grande prazer de ver, no teatro A Barraca "O FASCISMO DOS BONS HOMENS", inspirado do livro de Valter Hugo Mãe : A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS. Esta obra escrita com todo o pudor, respeito e lucidez, descreve o drama de quem entra no lar, do seu sentimento de destruição, de ausência física e moral na família, na sociedade. O autor apresenta a questão da velhice, da sua ternura, da sua tragédia, do seu sentimento de inutilidade num estilo delicado e sincero. Uma obra a ler e muito pensar depois desta leitura.
Lido por Luís Ricardo de António Pereira
ARMAÇÃO, ESSA DAS RUAS PRA O MAR
Eu sou de Armação de Pêra,
Essa das ruas para o mar
Como quem vai embarcar...
Das ruas que vêm da praia
Como quem volta do mar...
Lá [aqui] em Armação de Pêra
Pode não me esperar ninguém,
Nem avós, nem pai nem mãe,
Mas o mar sempre me espera
Ao fundo da minha rua,
Daquela rua onde moro
Lá [aqui] em Armação de Pêra.
Lido por Ricardo Ramos de Lao- Tsé
(Infelizmente, e como o Ricardo só nos leu um pequenino excerto deste texto, a nossa fotógrafa de serviço não conseguiu “apanhá-lo”. Mil desculpas, meu querido….)
CULTURA GENUÍNA
Quem anda direito não deixa rastro,
Quem fala bem não diz desacertos.
Quem calcula bem não usa lembretes.
Quem fecha bem dispensa fechaduras e ferrolhos,
E contudo ninguém o pode abrir.
Quem amarra bem não usa corda nem barbante,
E contudo ninguém pode desatar.
Assim o sábio, em sua madureza,
Sabe sempre ajudar os homens.
Para ele, ninguém está perdido.
Sabe aperfeiçoar tudo que existe,
E não vê mal em ser algum.
É este o duplo segredo
De toda a realização do homem;
O homem pleni-realizado
Ajuda sempre ao menos realizado.
O homem mais culto
Ajuda sempre ao menos culto.
Pelo que, ó homem, trata com reverência
Ao homem mais maduro que tu.
E envolve em sincero amor
Aquele que necessita de ti.
Quem não age assim
Ignora a cultura genuína.
Vai nisto um grande segredo.
A Isabel Costa não leu este texto de Virgílio Ferreira na sessão, mas enviou-nos por mail
Do livro "pensar" de VIRGÍLIO FERREIRA (1992), DO IMPENSÁVEL, ao final dos 677 "pensares", escolhi:
"Não se procura uma doutrina para acharmos a verdade nela, mas para acharmos nela a verdade que é nossa."
Lido por Ana Santorio de Sophia de Mello Breyner Andresen
Muito antes do chalet
Antes do prédio
Antes mesmo da antiga
Casa bela e grave
Antes de solares palácios e castelos
No princípio
A casa foi sagrada –
Isto é habitada
Não só por homens e por vivos
Mas também pelos mortos e por deuses
Isso depois foi saqueado
Tudo foi reordenado e dividido
Caminhamos no trilho
De elaboradas percas
Porém a poesia permanece
Como se a divisão no tivesse acontecido
Permanece mesmo muito depois de varrido
O sussurro de tílias junto à casa de infância
E não é que ao ritual já habitual de os Clubes combinarem os prazeres da alma com os do corpo com a degustação de umas belas iguarias, desta feita estes prazeres uniram-se sob a forma de um bolo em forma de livro, provando que com a imaginação tudo pode acontecer, mas que com gente leitora os sonhos tornam-se muito mais reais …
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